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Rubens Ewald Filho
Nem todo mundo pratica esportes, mas quase todo mundo trabalha. Portanto, a pergunta sempre caberá: quais são seus limites?
"Fair Play", ou jogo limpo, em português, é um filme sobre o mundo do trabalho, mas nenhuma cena se passa dentro do escritório da equipe envolvida no jogo. As cenas são bem construídas, inclusive visualmente, como os diálogos. Um ponto fraco da obra é uma certa simplificação das relações, embora isso ajude a dar força ao discurso político que ele guarda.
Dirigido por Lionel Bailliu, na verdade, o longa-metragem francês se passa sempre em espaços destinados a atividades físicas: logo no início, numa raia de remo, um colega mais velho, Jean Claude, explica as "regras" para Alexandre, um novato na empresa - e força uma aula prática. Depois, numa quadra de squash, durante uma agressiva partida, com excelentes diálogos, o chefe Charles pressiona Alexandre a entregar a alma ao diabo, ou melhor, à firma.
Charles é o grande vilão do filme, mas ele próprio tem seu chefe, apresentado num campo de golfe. Trata-se do acionista maior do negócio, pai da esposa de Charles, que também vai, como outras já haviam feito, misturar elementos da vida pessoal para pressionar seu executivo.
Trata-se de um dos melhores momentos do filme, em que a pressão profissional e a pressão esportiva de fato se misturam: não sabemos se o sogro de Charles o pressiona por questões empresariais ou simplesmente, o que torna esta pressão explicitamente injusta e fútil, para ganhar aquele tão importante jogo de golfe.
Charles está sendo acusado de assédio. Então, ele resolveu levar sua equipe para uma sessão de rapel num rio para, quem sabe, chegar a um acordo que limpe seu nome.
Obviamente, os esportes e o jogo sujo ficam ainda mais radicais: chega o momento em que o estímulo à competição já não funciona mais, pelo contrário. Os jogadores, digo, os funcionários da empresa precisam, de alguma forma, estimular a solidariedade. Se eles não se ajudarem, tudo é colocado a perder - inclusive as próprias vidas, numa radicalização da metáfora.
E, neste momento, o filme é óbvio à maneira francesa, não à hollywoodiana.
Parte do vocabulário corporativo e do esportivo compartilha metáforas com o palavrório militar: no campo de batalha, como no esportivo e no do trabalho, é preciso haver comando, liderança, respeito à hierarquia. Se nas guerras a história é contada pelo vencedor, no mercado o importante não é competir, mas vencer. Mesmo que isso não seja confessado.
Afinal de contas, "vale tudo" não é só um esporte que faz as pessoas suarem muito e, presumivelmente, federem. Mas também um modo de fazer carreira.
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